Batismo com o Espírito Santo – Por que falar nisso?
Infelizmente, ainda não há unanimidade entre os cristãos acerca do batismo com o Espírito Santo. Existem discussões que giram em torno do significado dessa experiência, do momento em que ela ocorre e quais seriam as suas evidências. Tais divergências tomaram uma proporção tão grande que provocaram ao longo do século XX uma série de divisões em muitas comunidades.
Hoje podemos constatar que as tensões entre os diferentes grupos têm diminuído em favor da unidade do Corpo de Cristo. Essas tensões ainda não estão totalmente eliminadas, mas existe uma abertura maior para o diálogo e convivência. Entretanto, as diferenças continuam bem estabelecidas no campo teológico.
As compreensões divergentes nascem da forma como cada grupo enxerga e trata o material bíblico sobre o tema. Uma leitura rápida pode apontar aparentes diferenças entre textos narrativos (aqueles que se ocupam em relatar fatos, como a maior parte do livro de Atos) e os textos didáticos (aqueles em que o autor teve a intenção de ensinar algo, como os discursos de Jesus e dos apóstolos e as epístolas).
Além do Pentecostes, há pelo menos duas narrativas do livro de Atos que parecem descrever o batismo com o Espírito Santo como experiência distinta e separada por um intervalo de tempo da conversão. Trata-se da experiência dos crentes em Samaria (Atos 8:14-17) e em Éfeso (Atos 19:1-7).
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Contudo, há textos didáticos que se referem ao batismo com o Espírito ou recebimento do Espírito como um fato que já ocorreu com todo o cristão no início de sua jornada com Cristo. Um texto sempre citado nesse debate é o de I Coríntios 12:13:
“Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito” (I Coríntios 12:13).
Portanto, o problema que se apresenta é o seguinte: de um lado há textos didáticos que parecem não reconhecer nenhuma separação entre a regeneração e o batismo com o Espírito, enquanto que, por outro lado, há textos narrativos que apresentam pessoas já convertidas que ainda não haviam sido batizadas com o Espírito Santo. As tentativas de esclarecer essa questão fizeram com que surgissem duas correntes teológicas distintas.
a) A corrente que identifica o batismo com o Espírito Santo como fato ocorrido na regeneração
Para parte dos estudiosos, o batismo com o Espírito Santo é um fato que acontece na regeneração, no novo nascimento, pelo qual o crente é incluído no corpo de Cristo, independentemente desse fato ser percebido, experimentado ou sentido. Assim sendo, a regeneração e o batismo com o Espírito seriam indissociáveis e inseparáveis. No Brasil, essa corrente tem sido chamada de “tradicional” por estar associada a denominações históricas.
Tal compreensão é construída a partir dos texto didáticos do Novo Testamento, como I Coríntios 12:13, que já mencionamos anteriormente. Além disso, como o batismo com o Espírito também é descrito como recebimento do Espírito, necessariamente todo o cristão já o recebeu. Seria até mesmo um contrassenso dizer que alguém é cristão sem receber esse batismo, pois, como Paulo declara: “se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele” (Romanos 8:9), “porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gálatas 4:6) e “o amor de Deus é derramado em nosso coração pelo Espírito Santo, que nos foi outorgado” (Romanos 5:5).
Sob essa ótica, o batismo com o Espírito “se efetua sem que nós tenhamos dele consciência alguma, e só sabemos que ele se realizou em nós porque Deus o afirma em sua Palavra”. Nas palavras de John Stott, o batismo com o Espírito “é uma experiência cristã universal, por ser uma experiência cristã inicial. Todos os cristãos recebem o Espírito no momento em que começam as suas vidas cristãs”.
Se o batismo com o Espírito acontece no novo nascimento, sendo um fato imperceptível, como uma pessoa saberia que o recebeu? Em primeiro lugar, essa pessoa deveria simplesmente crer que já recebeu o Espírito, tal como crê que recebeu a salvação. Além disso, a vida de quem foi batizado com o Espírito demonstraria esse fato, pois o próprio Espírito começa a operar uma obra de transformação a partir da regeneração. A presença do Espírito é evidenciada pelo seu fruto (Gálatas 5:22,23). Aquele que é nascido de Deus é caracterizado, entre outras coisas, por não viver na prática do pecado (I João 3:9), amar o seus irmãos (I João 4:7, 5:1) e vencer o mundo (I João 5:4).
Como essa corrente trata a diferença entre os textos narrativos e os textos didáticos? Ela parte do princípio de que uma doutrina não deveria ser estabelecida com base em narrativas, mas apenas nos textos didáticos. As narrativas devem ser interpretadas à luz da doutrina exposta nos textos didáticos.
Sendo assim, as narrativas de Atos que mostram a ocorrência do batismo com o Espírito como experiência posterior à conversão devem ser encaradas como situações excepcionalíssimas, que só aconteceram no período de transição entre a Antiga e a Nova Aliança, a fim de atender a propósitos muito específicos. O intervalo de tempo entre a regeneração e o batismo com o Espírito não seria normativo para os cristãos, visto que não há registro sobre isso nos textos didáticos.
Alguns identificam essa corrente com o cessacionismo, posição teológica que nega a contemporaneidade de certos dons espirituais. De fato, autores como John MacArthur sustentam tanto a tese cessacionista como a que une o batismo com o Espírito à regeneração. Entretanto, há autores continuístas, que defendem a contemporaneidade dos dons, mas que acreditam que a expressão “batismo com o Espírito” deveria ser usada para designar o recebimento do Espírito na conversão, e que, portanto, não estaria associada a um específico dom espiritual. Entre tais autores podemos mencionar D. A. Carson, Wayne Grudem e Sam Storms.
Há ainda a posição sustentada por James G. Dunn, que também associa o batismo com o Espírito à conversão. Entretanto, Dunn defende que, no Novo Testamento, a conversão não consistiria num único fato, mas sim num processo que incluiria a fé, o arrependimento, o batismo com água e o batismo ou recebimento do Espírito, sendo este o ponto culminante da conversão. Para Dunn, o batismo com o Espírito era uma experiência definida, e muitas vezes dramática, que completava a chamada “conversão-iniciação”, de tal forma que só a partir dessa experiência uma pessoa poderia ser considerada cristã.
b) A corrente que identifica o batismo com o Espírito Santo como experiência distinta da regeneração
Há uma corrente defende que o batismo com o Espírito seria uma experiência consciente, definida, identificável e distinta da regeneração, podendo ser subsequente a esta. Não seria um fato automático ou imperceptível, mas uma experiência intensa que pode ser percebida por quem a vivencia.
O batismo com o Espírito é uma bênção distintiva e própria da Nova Aliança, visto que era o Messias quem o realizaria. Já a regeneração era algo que acontecia desde a Antiga Aliança. Afinal, quando Jesus falou com Nicodemos “importa-vos nascer de novo” (João 3:7), não podemos supor que estava se referindo a algo que só estaria disponível depois de Sua morte e ressurreição, como se Nicodemos tivesse que ficar a espera da possibilidade da regeneração.
Na conversa entre Jesus e Nicodemos, vemos que ninguém pode ser salvo sem nascer de novo (João 3:3-5; cf. Tito 3:5). E Jesus se referiu a seus discípulos como pessoas que deveriam se alegrar por terem seus nomes escritos nos céus (Lucas 10:20) e que já estavam limpos pela Palavra (João 15:3; cf. 13:10). Portanto, as promessas sobre o batismo com o Espírito Santo foram feitas a pessoas já regeneradas.
As narrativas de Atos que, sob a vigência da Nova Aliança, mostram um intervalo de tempo entre a conversão e o batismo com o Espírito indicariam a possibilidade de uma pessoa ser verdadeiramente regenerada, já sendo habitada pelo Espírito Santo, mas ainda assim não ter sido batizada com o Espírito.
Tal posicionamento é conhecido como “doutrina da subsequência”, designação que talvez não seja a mais apropriada, pois essa corrente admite que o batismo com o Espírito pode ocorrer quase ao mesmo tempo da regeneração, a ponto de não ser perceptível um intervalo entre os dois acontecimentos.
Portanto, o que caracteriza essa corrente não é a extensão do intervalo entre os dois eventos. Sua ênfase não estaria na subsequência temporal, mas sim na separação teológica entre a regeneração e o batismo com o Espírito, no sentido de serem acontecimentos de natureza e propósito distintos, mesmo quando ocorrem de forma quase simultânea. Em função disso, neste livro adotaremos a designação “doutrina da separabilidade”.
Há quem pense que a doutrina da separabilidade é defendida exclusivamente pelo pentecostalismo, movimento que surgiu no início do século XX. Porém, tal compreensão é muito anterior a isso, tendo precedentes no movimento puritano inglês no século XVII e em certos movimentos reavivalistas que ocorreram entre os séculos XVIII e XIX.
Entretanto, o maior responsável pela propagação da doutrina da separabilidade realmente foi o movimento pentecostal. Além disso, tal movimento também afirmou a tese de que o batismo com o Espírito Santo sempre é acompanhado pela evidência física inicial do falar em línguas. A doutrina da evidência física inicial tornou-se característica distintiva do chamado “pentecostalismo clássico” (ainda que na origem do movimento havia discordâncias sobre essa doutrina).
Como os defensores da separabilidade encaram os textos didáticos que parecem não reconhecer intervalo algum entre a regeneração e o batismo com o Espírito?
Uma das formas de lidar com essa diferença é dizer que cada autor bíblico deve ser analisado em seus próprios termos. Assim, uma mesma expressão poderia ser usada com significados diferentes por cada autor. Ao falar sobre o recebimento ou batismo com o Espírito, Paulo estaria destacando a obra do Espírito ligada à salvação, enquanto Lucas, no livro de Atos, destacaria a obra carismática de capacitação. Porém uma perspectiva não excluiria a outra, pois seriam complementares.
Há também autores que afirmam que não deveríamos estranhar que certos textos didáticos não apresentem distinção entre regeneração e o batismo com o Espírito, tendo em vista que esta era a experiência comum dos primeiros cristãos, sendo vivenciada logo nos primeiros momentos da vida cristã.
Por que escrever sobre o batismo com o Espírito Santo?
Tendo me convertido em uma denominação tradicional, desde cedo tive acesso à corrente que identifica o batismo no Espírito com a regeneração. A primeira obra que li acerca desse tema foi o livro “Batismo e Plenitude do Espírito Santo”, de John Stott.
O referido livro moldou, por certo tempo, minha convicção e me deu argumentos para sustentar a crença de que o batismo com o Espírito ocorre na regeneração. Eu estava de tal maneira seguro e convencido dessa posição que nem mesmo “perdia meu tempo” lendo autores que apresentassem outro ponto de vista, mas apenas os que sustentavam a mesma ideia. Considerava que os irmãos pentecostais, apesar de sinceros, não conheciam a verdadeira doutrina do batismo com o Espírito.
Contudo, houve um momento em que as lacunas e inconsistências da corrente tradicional se tornaram evidentes para mim, e a leitura de certos textos bíblicos exigiram uma reconsideração sobre a minha posição. Durante um processo de reflexão a partir das Escrituras, deixei a posição que afirmava a identidade entre o batismo com o Espírito e a regeneração. Fui convencido de que o batismo com o Espírito Santo é uma experiência distinta e separada do novo nascimento, que capacita o crente com poder para testemunhar, e que pode ser acompanhada pelo falar em línguas ou por outra manifestação.
O presente livro nasce com o propósito de compartilhar as reflexões que me levaram à mudança de posicionamento. Não tenho a intenção de que esta obra seja a mais completa sobre o tema. Meu desejo é simplesmente registrar o que foi determinante para a formação da minha compreensão atual, e com isso trazer alguma contribuição para os que se interessam pelo assunto.
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