Reflexões

Contentes ou divertidos?

Aos olhos de um sociólogo espanhol chamado Vicente Verdú, um dos mais aguçados investigadores dos fenômenos contemporâneos, que escreveu um livro chamado “O Estilo do Mundo”, a nossa sociedade pós-moderna possui vários estilos e um deles é o estilo do show.  Ele disse que a guerra santa, a responsabilidade moral das empresas, o comércio justo, o marketing com causa, a “transparência” da política, a estética dos enxertos, a orgia futebolística, os reality shows, a vídeo vigilância universal, a cultura do Shopping, a cidade como parque temático, a democratização, a clonagem, são fenômenos do capitalismo de ficção, onde a realidade se convalida pela realidade do espetáculo. Um outro homem chamado Baudrillard, disse que o mundo contemporâneo se caracteriza por um processo de desmaterialização da realidade: o olhar do homem já não se dirige para a natureza, mas para as telas da televisão; a comunicação tem se convertido num fim em si mesma em um valor absoluto. Tudo é um espetáculo, e para isso é preciso converter o cidadão em um espectador, e vender as entradas a todo um planeta homogeneizado.

O estilo atual do mundo tem comprovado que o indivíduo distraído, entretido, é o que menos protesta e deixa de rebelar-se. O titulo do livro de Neil Postman, “Amusing Ourselves to death” (Divertir-nos até morrer) revela o objetivo deste tempo. Na Grã Bretanha os gastos em lazer e diversão têm superado os gastos com comida e bebida. “Nós vendemos felicidade”, é o slogan da Disney, “porque felicidade é o melhor produto do mundo”. Charles Baudelaire chamava a arte “os domingos da vida”, os momentos em que a experiência estética converte o tempo comum em festa. Mas hoje, na sociedade do espetáculo, que todos os dias da semana tenta divertir-nos até morrer, sempre pode ser domingo.

Com o advento dos celulares câmeras, creio que surgiu também um seguimento crescente que leva entretenimento através das mídias sociais. Num acidente grave por exemplo, enquanto pouquíssimos socorrem, um número cada vez maior filma e transmite para que a multidão do outro lado assista e curta.

Carlos Mraida, pastor de uma igreja que congrega no centro de Buenos Aires, Argentina, fez uma leitura sul ocidental desta realidade e destacou a posição da igreja e do reino de Deus diante dos estilos do mundo. Relacionados a este estilo do Show, ele falou sobre a postura da igreja e o do reino de Deus. O pastor fez um paralelo  entre a sociedade, a igreja e o reino de Deus, e sobre a igreja disse:

O estilo da igreja contemporânea é o do espetáculo e a diversão:  Nos tempos de Jesus, haviam feito de sua casa de oração, um mercado. Em nosso tempo temos feito de nossos cultos shows, e de nossos templos sets de televisão. E isso não estaria mal se não fora porque refletimos como igreja esse estilo festeiro. Somente a modo de ilustração, um dos eventos espirituais mais numerosos e impactantes da história da Argentina, não foi presidido por um pastor, mas por um imitador cômico, e não houve canções de adoração, mas números musicais de artistas de certa fama secular. Por que um imitador e não um pastor? Porque tudo tem que ser divertido. Por que artistas seculares e não adoradores? Porque o que se quer é dar um bom show. Em dimensões menores, sucede a mesma coisa em muitas congregações. Um bom pregador é o que faz muita graça, e ele é apresentado não como pregador, mas como “comunicador dinâmico”. Porque tudo tem que ser divertido. Em muitos países, a gente assiste mais a congressos onde os que ministram são cantores e não pastores. E não importa o que se transmite em termo de conteúdo, porque o que interessa é que o show must go on (o espetáculo precisa continuar). Em reação a isso, surgem novas formas cultuais como as das diferentes igrejas emergentes. Mas, outra vez, a reação não é produto de uma reflexão bíblico-teológica, mas motivada por uma compreensão e assimilação da pós-modernidade. Assim o templo-set de televisão da mega igreja é substituído pela sepultura da oração, que se converte em outra cenografia de ficção para uma igreja que tem que seguir os mandatos da sociedade pós-moderna, onde tudo é show.”

Num terceiro momento, Mraida apresentou o estilo do reino de Deus que confronta tanto a igreja quanto o mundo. Ele disse que o estilo do Reino é como um tesouro escondido: Diante do estilo da diversão que só desencanta e some na apatia pós-moderna, o que encontra o tesouro escondido do Reino volta gozoso, vende tudo para comprar o campo. A igreja deve liberar-se dessa cultura do show e de que tudo deve ser divertido. Como diria Mamerto Menapace, devemos diferenciar claramente entre estar divertido e estar contente. Em latim contentus significa conteúdo. Por exemplo: a água que está em um vaso está contida, contente. Enquanto que se eu a derramo, essa água está di-vertida, sem contenção. O Reino produz contentamento, não diversão.

Refletindo sobre as palavras de Mraida, quando o ouvi falar no Chile sobre este tema, lembrei-me que contentamento é algo que podemos aprender com o Senhor. Com Jesus, quer na abundância, quer na falta, aprenderemos sempre.

Filipenses 4:11-13 – “Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece.”

Interessante observar que o nosso contentamento, na maioria das cabeças, está relacionado às circunstâncias. Muitos acreditam que ficarão contentes se forem honrados, se estiverem fartos. Outro dia ouvi um amigo dizer numa mensagem pela internet que não aprendemos contentamento no muito, pois no muito, todos nós somos contentes. Pessoalmente não concordo com ele. Creio que aqueles que não são contentes no pouco, também não serão contentes no muito. Um dos livros mais excelentes que li sobre o nosso relacionamento com a riqueza, por acaso se chama NUNCA O SUFICIENTE. Nós devemos aprender o contentamento na humilhação e na honra, no pouco e no muito. Para ser mais excelente eu teria que agregar a piedade ao contentamento, pois segundo Paulo, este é o segredo do verdadeiro lucro.

“De fato, grande fonte de lucro é a piedade com o contentamento. Porque nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele. Tendo sustento e com que nos vestir, estejamos contentes (I Timóteo 6:6-8, RA).

Paulo escrevendo para o seu filho espiritual Timóteo, revela que existe uma grande fonte de lucro na piedade com o contentamento. O que vem a ser isso?

A piedade, segundo a minha ótica, é a virtude que soma os valores cristãos legítimos. É uma vida realmente voltada para o invisível celestial.

Paulo está dizendo que existe um grande lucro nesta virtude, mais que nos bens materiais. Aliás, Jesus já havia dito que “a vida de um homem não consiste na abundância dos bens que ele possui.” (Lc 12:15). Penso que a primeira resposta ao dinheiro deve ser esta: “nada temos trazido para o mundo, nem coisa alguma podemos levar dele”. Uma vez que temos a clareza de que vamos sair deste mundo da mesma forma que entramos nele, as riquezas desta terra tornam-se para nós apenas o meio para realizar algumas coisas.  O dinheiro e suas conquistas não valem mais do que a nossa relação com Deus. A piedade faz eu escolher viver em paz na casa alugada ao invés de viver sem paz na casa própria do endereço chique. Ela me leva a decidir andar de ônibus e ter um bom nome do que andar de carro zero com o nome no SPC. O piedoso opta por socorrer a um irmão necessitado ao invés de gastar consigo mesmo e assume um relacionamento com as pessoas em detrimento dos bens.

A piedade é assim, ela nos liga mais a Deus e nos desliga das coisas deste mundo. Ela soma valores que o dinheiro não pode comprar: amor, alegria, amizade verdadeira.  Ela nos faz olhar para as coisas invisíveis e eternas e nos anestesia para as coisas passageiras desta vida. É ela que nos faz valorizar uma amizade, que nos faz ser gratos, que nos inclina a lavar os pés dos irmãos. É a piedade que nos faz sentir a dor do próximo. A piedade nos revela que nós não somos o que fazemos, nem o que temos e muito menos aquilo que as pessoas dizem que somos. É pela piedade que se experimenta ser quem de fato somos: filhos do Deus Altíssimo em Jesus Cristo. A piedade é radicalmente oposta ao estilo consumista deste mundo de coisas. Contentar-nos na piedade interior é lucro certo e garantido. Nós vamos fazer as contas e dizer: “estamos lucrando com isso”. Glórias a Deus!

Alguém pode perguntar: “como viver contente no pouco?” Eu digo que precisamos aprender o contentamento, pois isso se aprende. Precisamos aprender o contentamento tanto na pobreza, quanto na riqueza. Ainda que muitos imaginam que ser rico é ser contente. Necessitamos aprender o contentamento tanto na falta quanto na abundância e descobrir que a nossa suficiência vem de Deus, que nos fortalece. O homem que estava escrevendo ao seu discípulo amado, já havia passado por esta lição e aprendeu na prática:

“Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; tudo posso naquele que me fortalece” (Filipenses 4:11-13, RA).

Lendo o Wikipédia eu encontrei uma definição para contentamento muito interessante: Contentamento – Não se pode classificar completamente o contentamento, mas se sabe que pode-se ligá-lo à uma expectativa “completa”. Satisfação interior que independe de circunstância exterior.

Eu gostei desta definição porque ela se encaixa com a verdade apostólica.

Creio que uma verdade que pode nos ensinar o contentamento é esta: “Seja a vossa vida sem avareza. Contentai-vos com as coisas que tendes; porque ele tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei.” Hebreus 13:5, RA.

“Ele nos tem dito: De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei.”

No amor do Senhor Jesus,
Sérgio Franco

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