Reflexões

A soberania de Deus e a responsabilidade humana

1. Um equívoco acerca da Soberania de Deus

Muitas pessoas pensam que a  soberania de Deus e a liberdade de escolha humana se relacionam da seguinte forma: quanto maior a soberania divina, menor seria a possibilidade do homem fazer escolhas livres.

Sob essa ótica, para que Deus seja totalmente soberano, o homem não poderia ter escolhas livres, podendo apenas fazer as escolhas pré-determinadas pelo Senhor. O ser humano até poderia fazer escolhas segundo sua própria vontade, mas essa vontade teria que ser determinada por Deus. A menor possibilidade  de escolha livre do homem implicaria uma redução da soberania de Deus, a ponto de descaraterizá-lo como Soberano.

Assim, cada detalhe do universo, da história e da vivência humana seriam meticulosamente determinados pelo Senhor, sem que Ele levasse em conta quaisquer decisões dos homens, posto estas também seriam determinadas por Ele. Até mesmo os atos maus praticados pelos homens teriam quer ser decretados por Deus.

Entretanto, essa compreensão  não se encontra fundamentada nas Escrituras. Vemos na Bíblia que existe certa liberdade para o homem fazer algumas escolhas, sem que isso reduza a soberania de Deus em nem mesmo um milímetro.

2. A Soberania de Deus revelada nas Escrituras

Antes de falarmos qualquer coisa sobre a soberania de Deus, sobre seu caráter  ou sobre qualquer dos seus atributos, precisamos ir às Escrituras. Só podemos conhecer a Deus na exata medida do que Ele revelou de Si mesmo. Afinal, os juízos de Deus são insondáveis e seus caminhos são inescrutáveis (Romanos 11:33). O conhecimento de Deus é sobremodo elevado (Salmo 139:6), os seus caminhos e seus pensamentos são mais altos do que os nossos (Isaías 55:9). “Eis que Deus é grande, e não o podemos compreender; o número dos seus anos não se pode calcular” (Jó 36:26).

Isso não significa que não podemos conhecer nada acerca do Senhor, mas sim que só podemos conhecer nos exatos  termos em que Ele se revelou, sem nos entregar às especulações ou suposições. Se Deus escolheu revelar seus atributos de uma certa forma e sob certos limites, nós não podemos ultrapassar tais limites.  Precisamos ser estritamente fiéis a essa revelação, com todo temor e reverência.

“As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei” (Deuteronômio 29:29).

De fato, Deus é soberano. Tudo o que existe está debaixo de seu domínio e poder, desde um pássaro que cai (Mateus 10:29,30) até o estabelecimento e queda dos reis e chefes das nações (Romanos 13:1-7). Ninguém pode impor coisa alguma a Ele.

“Ao SENHOR pertence a terra e tudo o que nela se contém, o mundo e os que nele habitam” (Salmo 24:1).

“O SENHOR frustra os desígnios das nações e anula os intentos dos povos. O conselho do SENHOR dura para sempre; os desígnios do seu coração, por todas as gerações” (Salmo 33:10,11).

“Bem sei que tudo podes, e nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42:2).

“Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Isaías 46:9,10).

“Disse Daniel: Seja bendito o nome de Deus, de eternidade a eternidade, porque dele é a sabedoria e o poder; é ele quem muda o tempo e as estações, remove reis e estabelece reis; ele dá sabedoria aos sábios e entendimento aos inteligentes. Ele revela o profundo e o escondido; conhece o que está em trevas, e com ele mora a luz” (Daniel 2:20-22).

3. Exemplos bíblicos em que vemos o Senhor levando em conta as escolhas humanas

Certamente há muitas coisas que Deus determina sem considerar nenhuma decisão ou ato do homem. Isso é evidenciado pela nossa própria experiência. Há aspectos importantíssimos de nossas vidas sobre os quais não demos nenhuma opinião. Nenhum de nós, por exemplo, escolheu nascer, ou a família em que nasceu, a cidade, o país, as características físicas etc. Da mesma forma, não temos a liberdade para pular de um prédio de 20 andares, sem nenhum equipamento de proteção, e ainda assim continuar ileso, pois não determinamos as leis da Física.

Além disso, a Bíblia nos mostra intervenções divinas incidindo diretamente indivíduos e sobre a história, a fim de cumprir os propósitos do Senhor.

Entretanto, ao olharmos para a Bíblia, veremos diversos registros em que Deus responde ou reage às escolhas e atos humanos. Muitas vezes Deus fala de sua tristeza diante da desobediência e rebelião do homem. O Senhor responsabiliza os homens por suas próprias escolhas e traz juízo sobre a má obra (Romanos 1:18,32). E como Deus não pode mentir (Tito 1:2), precisamos realmente concordar que Ele leva em conta as escolhas humanas em muitas de suas determinações.

Se Deus afirmou que determinou algo em resposta a um ato humano, então realmente foi assim. Vejamos alguns exemplos bíblicos:

“Como as nações que o SENHOR destruiu de diante de vós, assim perecereis; porquanto não quisestes obedecer à voz do SENHOR, vosso Deus” (Deuteronômio 8:20).

“Porém, se o teu coração se desviar, e não quiseres dar ouvidos, e fores seduzido, e te inclinares a outros deuses, e os servires, então, hoje, te declaro que, certamente, perecerás; não permanecerás longo tempo na terra à qual vais, passando o Jordão, para a possuíres. Os céus e a terra tomo, hoje, por testemunhas contra ti, que te propus a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência (Deuteronômio 30: 17-19)

“Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito. Abre bem a boca, e ta encherei. Mas o meu povo não me quis escutar a voz, e Israel não me atendeu. Assim, deixei-o andar na teimosia do seu coração; siga os seus próprios conselhos. Ah! Se o meu povo me escutasse, se Israel andasse nos meus caminhos! Eu, de pronto, lhe abateria o inimigo e deitaria mão contra os seus adversários.” (Salmo 81:11-14).

“Embora o Senhor tivesse enviado profetas ao povo para trazê-los de volta para ele e os profetas tivessem testemunhado contra eles, o povo não quis ouvi-los (II Crônicas 24:19).

“Porque assim diz o SENHOR Deus, o Santo de Israel: Em vos converterdes e em sossegardes, está a vossa salvação; na tranqüilidade e na confiança, a vossa força, mas não o quisestes (Isaías 30:15).

“Por causa da indignidade da sua cobiça, eu me indignei e feri o povo; escondi a face e indignei-me, mas, rebelde, seguiu ele o caminho da sua escolha (Isaías 57:17).

“Mas a vós outros, os que vos apartais do SENHOR, os que vos esqueceis do meu santo monte, os que preparais mesa para a deusa Fortuna e misturais vinho para o deus Destino, também vos destinarei à espada, e todos vos encurvareis à matança; porquanto chamei, e não respondestes, falei, e não atendestes; mas fizestes o que é mau perante mim e escolhestes aquilo em que eu não tinha prazer (Isaías 65:11,12).

“… Como estes escolheram os seus próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações, assim eu lhes escolherei o infortúnio e farei vir sobre eles o que eles temem; porque clamei, e ninguém respondeu, falei, e não escutaram; mas fizeram o que era mau perante mim e escolheram aquilo em que eu não tinha prazer (Isaías 66:3,4).

“Tornaram às maldades de seus primeiros pais, que recusaram ouvir as minhas palavras; andaram eles após outros deuses para os servir; a casa de Israel e a casa de Judá violaram a minha aliança, que eu fizera com seus pais” (Jeremias 11:10).

“Este povo maligno, que se recusa a ouvir as minhas palavras, que caminha segundo a dureza do seu coração e anda após outros deuses para os servir e adorar, será tal como este cinto, que para nada presta” (Jeremias 13:10).

“Mas rebelaram-se contra mim e não me quiseram ouvir; ninguém lançava de si as abominações de que se agradavam os seus olhos, nem abandonava os ídolos do Egito. Então, eu disse que derramaria sobre eles o meu furor, para cumprir a minha ira contra eles, no meio da terra do Egito” (Ezequiel 20:8).

Eles estabeleceram reis, mas não da minha parte; constituíram príncipes, mas eu não o soube; da sua prata e do seu ouro fizeram ídolos para si, para serem destruídos” (Oseias 8:4).

“Não voltarão para a terra do Egito, mas o assírio será seu rei, porque recusam converter-se” (Oseias 11:5).

“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mateus 23:37 cf. Lucas 13:34).

“mas os fariseus e os intérpretes da Lei rejeitaram, quanto a si mesmos, o desígnio de Deus, não tendo sido batizados por ele” (Lucas 7:30).

“Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testificam de mim. Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (João 5:39,40).

Se alguém quiser fazer a vontade dele, conhecerá a respeito da doutrina, se ela é de Deus ou se eu falo por mim mesmo” (João 7:17).

“A quem nossos pais não quiseram obedecer; antes, o repeliram e, no seu coração, voltaram para o Egito…  Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvidos, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim como fizeram vossos pais, também vós o fazeis. “ (Atos 7:39,51).

“O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida” (Apocalipse 22:17).

Os textos acima relacionados são exemplos de como Deus responsabiliza o homem por suas escolhas. São abundantes as situações em que o próprio Senhor afirma estar respondendo ou reagindo à decisões ou atitudes do homem.

Muitas das afirmações bíblicas sobre a soberania de Deus destacam Seu poder para responder aos atos humanos, sem que ninguém possa impedi-lo.

Seguramente, a figura do oleiro formando o vaso é uma das ilustrações mais fortes para descrever a soberania de Deus sobre o homem. Afinal, o barro é matéria inanimada, passiva, desprovida de vontade, escolhas, querer ou ação. Está totalmente entregue às determinações  do oleiro, que faz com o barro o que bem lhe parece. Entretanto, até quando essa ilustração é usada na Bíblia, ela nos mostra Deus reagindo às escolhas humanas, seja ao arrependimento do homem, seja à dureza de seu coração. O homem, apesar de ser barro nas mãos do oleiro, não é retratado como um ser desprovido de escolhas livres. Mas é importante lembrar: cada escolha humana receberá a justa e inevitável resposta de Deus. Não há como fugir disso. Vejamos:

“Desci à casa do oleiro, e eis que ele estava entregue à sua obra sobre as rodas. Como o vaso que o oleiro fazia de barro se lhe estragou na mão, tornou a fazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu. Então, veio a mim a palavra do SENHOR: Não poderei eu fazer de vós como fez este oleiro, ó casa de Israel? – diz o SENHOR; eis que, como o barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha mão, ó casa de Israel. No momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino para o arrancar, derribar e destruir, se a tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, também eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe. E, no momento em que eu falar acerca de uma nação ou de um reino, para o edificar e plantar, se ele fizer o que é mau perante mim e não der ouvidos à minha voz, então, me arrependerei do bem que houvera dito lhe faria.Ora, pois, fala agora aos homens de Judá e aos moradores de Jerusalém, dizendo: Assim diz o SENHOR: Eis que estou forjando mal e formo um plano contra vós outros; convertei-vos, pois, agora, cada um do seu mau proceder e emendai os vossos caminhos e as vossas ações (Jeremias 18:3-11).


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.4. Como a soberania de Deus, sem que seja diminuída ou limitada, se relaciona com a liberdade de escolha humana?

Se a liberdade de escolha humana fosse totalmente inexistente, então, em todos os textos que vimos no tópico acima, Deus estaria se entristecendo e lamentando sobre suas próprias determinações. Além disso, Ele estaria iludindo o homem, fazendo-o pensar que pode fazer escolhas livres. Entretanto, o Senhor não pode mentir. Se Ele diz que faz ou determina algo levando em conta atitudes humanas, então Ele realmente o faz, sem que seja menos soberano.

Para entendermos isso,  precisamos entender três verdades:

a) Deus é soberano para decidir como exerce sua própria soberania.

Por isso, qualquer escolha livre do homem só é possível se Deus soberanamente permitir. Ele é soberano para, se quiser, abrir algum espaço (ainda que mínimo) para escolhas humanas. Soberania não é necessariamente sinônimo de determinismo absoluto e meticuloso.

Se Deus permite alguma liberdade às suas criaturas, Ele o faz por sua própria decisão. Isso não é uma redução da soberania de Deus, nem mesmo uma limitação. Se Ele concedeu espaço para escolhas humanas, assim o determinou por ser soberano, sem ter que prestar explicações,  obedecer ou agradar a quem quer que seja.

É fato que há escolhas do homem que são contrárias à perfeita vontade de Deus, contudo Ele mesmo não enxerga essa situação como redução do seu poder ou de sua soberania.

“Por que razão, quando eu vim, ninguém apareceu? Quando chamei, ninguém respondeu? Acaso, se encolheu tanto a minha mão, que já não pode remir ou já não há força em mim para livrar? Eis que pela minha repreensão faço secar o mar e torno os rios um deserto, até que cheirem mal os seus peixes; pois, não havendo água, morrem de sede” (Isaías 50:2).

“Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem surdo o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que vos não ouça”(Isaías 59:1,2).

2. Ainda que tenha sido concedida alguma liberdade de escolha aos homens, estes não tem o poder de determinar as consequências de seus atos.

Os homens podem, em certos momentos, escolher livremente, mas não podem escolher os resultados de suas decisões. Deus reservou esse poder para Si mesmo. Para cada ato humano, Deus tem a resposta ou reação justa e adequada para fazer com que seu santo propósito se cumpra. Assim a soberania de Deus é mantida.

Em outras palavras, podemos dizer que o homem pode até escolher livremente, mas os destinos a que cada escolha levará já foram previamente estabelecidos pela soberania Deus.

“Porque Deus há de trazer a juízo todas as obras, até as que estão escondidas, quer sejam boas, quer sejam más” (Eclesiastes 12:14).

“Bem sabemos que o juízo de Deus é segundo a verdade contra os que praticam tais coisas. Tu, ó homem, que condenas os que praticam tais coisas e fazes as mesmas, pensas que te livrarás do juízo de Deus? Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente, acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo o seu procedimento: a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade; mas ira e indignação aos facciosos, que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça. Tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer homem que faz o mal, ao judeu primeiro e também ao grego; glória, porém, e honra, e paz a todo aquele que pratica o bem, ao judeu primeiro e também ao grego. Porque para com Deus não há acepção de pessoas (Romanos 2:2-11).

Sendo assim, se o homem escolhe o mal, há uma sentença de Deus determinando a morte. E o homem não pode afastar ou fugir dos juízos de Deus.

“Ora, conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também aprovam os que assim procedem” (Romanos 1:32).

3. Deus não é mero espectador da história, mas dirige o universo para um propósito.

Deus não é como um homem que monta as regras de um jogo e depois só observa os jogadores. Ele está conduzindo a história com um propósito, para um fim. É verdade que hoje há oposições ao governo de Deus sobre o universo. Há coisas que acontecem que não correspondem à perfeita vontade de Deus. Contudo, o Pai está colocando todos os inimigos debaixo de seu Filho Jesus pés de Jesus. Todo poder será submetido a Cristo, e então Deus será tudo em todos.

“Disse o SENHOR ao meu senhor: assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés” (Salmo 110:1; ver Mateus 22:44).

“E, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte. … Quando, porém, todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então, o próprio Filho também se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (I Coríntios 15:24-28).

Por todas essas razões podemos afirmar que a soberania de Deus é plena e total, sem que isso implique determinismo meticuloso, pois ao homem é permtido que faça certas escolhas pelas  quais se torna responsável.

Em Cristo,
Anderson Paz