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“Aborto não pode, mas matar adulto pode?!” – A pena de morte na Bíblia

Muitas vezes, aqueles que condenam o aborto são questionados por não se oporem com a mesma intensidade e veemência contra discursos que defendem a  pena de morte, o excludente de ilicitude para policiais que abatem criminosos em combate, ou que defendem penas mais severas para criminosos.

Desde já esclareço que este texto não consiste em uma defesa da pena de morte. Aliás, nenhum presidente poderia instituí-la no Brasil, pois tal pena é proibida por cláusula pétrea em nossa Constituição. O que pretendemos com este texto é descobrir se a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, permite a aplicação da pena de morte por parte das autoridades. Lembrando que permissão não significa obrigação. Se constatarmos que a Bíblia permite a pena de morte, isso não significaria que as autoridades necessariamente seriam obrigadas a aplicá-la.

Não sei se você concorda comigo, mas penso que os apóstolos no Novo Testamento estavam mais capacitados do que nós para entender o que Jesus ensinou. Falo isso não só porque eles viveram num período histórico próximo de Jesus, mas porque parte essencial de seus ministérios era ensinar tudo o que Jesus ordenou (Mateus 28:18-20). Por isso, em Atos 2:42 vemos que a igreja perseverava na doutrina dos apóstolos, que não era outra coisa senão a doutrina de Jesus.

Se você concorda comigo, gostaria de chamar atenção para o que Paulo escreveu:

“Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens;
se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens;
não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor.
Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça.
Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”
(Romanos 12:17-21).

Ao lermos essas palavras de Paulo, veremos que estão em total consonância com o que Jesus ensinou sobre amar os nossos inimigos, orar pelos que nos perseguem, abençoar os que nos maldizem, dar a outra face, andar a outra milha etc.. Paulo nos ensina a não nos vingar a nós mesmo. Isso não significa que o mal causado a nós ficará impune, mas sim que a vingança pertence a Deus. Ou seja, não tomar vingança é expressão de confiança no Senhor.

Mas não podemos abandonar o texto por aí. Precisamos seguir a leitura para o capítulo seguinte. Afinal, a carta aos Romanos não foi escrita originalmente dividida em capítulos e versículos.

Portanto, logo após falar sobre a vingança pessoal, Paulo começa escrever sobre a função das autoridades. Um assunto está conectado ao outro.

Especificamente em Romanos 13:3,4, Paulo escreve:

“Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela,
visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal
(Romanos 13:3,4).

Eu não sei se você percebeu a conexão que existe entre os dois textos. Em Romanos 12, Paulo ensina que não devemos vingar a nós mesmos, pois a vingança pertence ao Senhor. Entretanto, no capítulo seguinte, o apóstolo escreve que a autoridade é ministro (servo) de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal.

Ora, estaria Paulo em contradição? Em um momento ela afirma que a vingança é o Senhor, e depois afirma que a autoridade é ministro de Deus, vingador, para castigar quem faz o mal?

Não vejo contradição alguma entre esses textos, pois o que a Bíblia condena é a vingança pessoal, o retribuir o mal com mal, o ódio. Mas a mesma Bíblia autoriza as autoridades a punirem quem pratica o mal.

Precisamos fazer distinção entre o papel do cristão, enquanto indivíduo na sociedade, e o papel da autoridade. O cristão deve perdoar, dar outra face, andar outra milha etc. O cristão pode, por causa do perdão, deixar de levar uma demanda à juízo.

Entretanto, a autoridade, como ministro de Deus para promover a ordem e o bem comum, não pode fugir do papel de louvar quem faz o bem e punir quem faz o mal. Afinal, não vivemos em um mundo pleno amor, e as autoridades governam sobre justos e injustos. Se autoridades abrirem mão de seu papel, estaríamos entregues à barbárie, pois a violência não encontraria limite.

Nesse sentido, vale lembrar Eclesiastes 8:11:

“Visto como se não executa logo a sentença sobre a má obra, o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto a praticar o mal” (Eclesiastes 8:11).

Punir o mal é uma forma de evitar que o coração dos homens fique totalmente disposto à praticar o mal. O maior incentivo à criminalidade é a impunidade.

“O homem de grande ira tem de sofrer o dano; porque, se tu o livrares, virás ainda a fazê-lo de novo” (Provérbios 19:19).

Uma vez que a autoridade está incumbida por Deus de punir o mal, que poderes ela tem para cumprir essa papel? Paulo responde essa pergunta dizendo que a autoridade traz a espada para cumprir essa função.

“… se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Romanos 13:4) 

Portanto, a referência à “espada” em Romanos 13 diz respeito ao poder de, até mesmo de, tirar a vida. Isso fica especialmente claro quando vemos que o apóstolo concebia a possibilidade de que houvesse crimes dignos de morte.

“Caso, pois, tenha eu praticado algum mal ou crime digno de morte, estou pronto para morrer; se, pelo contrário, não são verdadeiras as coisas de que me acusam, ninguém, para lhes ser agradável, pode entregar-me a eles. Apelo para César” (Atos 25:11).

É importante destacar que Pedro repete, de forma resumida, o mesmo ensino de Paulo sobre o papel das autoridades. Ambos os apóstolos entendiam que a autoridade deve louvar quem faz o bem e punir quem faz o mal.

“Sujeitai-vos a toda instituição humana por causa do Senhor, quer seja ao rei, como soberano, quer às autoridades, como enviadas por ele, tanto para castigo dos malfeitores como para louvor dos que praticam o bem” (I Pedro 2:13,14).

Será que os apóstolos Pedro e Paulo não entenderam bem o que Jesus ensinou sobre amor ao próximo? Creio que eles entenderam plenamente. Mas também entenderam o que Jesus ensinou sobre a função das autoridades. Jesus reconhecia que as autoridades tinham até mesmo poder para aplicarem a pena capital.

“Então, Pilatos o advertiu: Não me respondes? Não sabes que tenho autoridade para te soltar e autoridade para te crucificar? Respondeu Jesus: Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse dada; por isso, quem me entregou a ti maior pecado tem” (João 19:10,11).

Quando ordenou a Pedro que guardasse a sua espadada, Jesus declarou:

“Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão” (Mateus 26:52).

Se quem lança mão da espada à espada perecerá, quem carrega a espada para executar esse juízo? Como já vimos, Paulo responde essa pergunta em Romanos 13:4. Quem traz a espada é a autoridade.

Isso quer dizer que a autoridade é infalível? A autoridade estaria imune a erros e sem necessidade de ser controlada ou limitada? Claro que não! O fato da autoridade ser ministro de Deus significa que prestará contas a Ele e que deve exercer sua função dentro dos limites estabelecidos pelo Senhor.

Com isso não estou dizendo que sou favorável à pena de morte. Como já disse, esse tipo de pena é proibida no Brasil por cláusula pétrea em nossa Constituição. Entretanto, não posso dizer que a Bíblia condena a pena de morte. Você pode até ser contra a pena de morte por razões políticas ou sociais, mas não porque a Bíblia a proíbe. O que as Escrituras condenam é a vingança pessoal.

Quanto à pena capital, eu ainda destacaria que, quando o Senhor a instituiu em Gênesis 9:6, antes da Lei de Moisés, foi justamente em função do valor e da dignidade da vida humana. Como o homem foi criado à imagem de Deus, quem derramasse o sangue de um homem também teria o seu sangue derramado por outro homem.

“Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem” (Gênesis 9:6).

Justamente pelo fato da pena capital ter sido instituída devido ao valor da vida humana é que não pode se comparada ao aborto. A  pena capital diz respeito a um criminoso, enquanto o aborto é uma violência contra um inocente.

Em Cristo,
Anderson Paz