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Porneia: Afinal, que pecado é esse?

Os temas “divórcio” e “repúdio” são tratados quatro vezes nos Evangelhos. Se contássemos apenas com as declarações de Marcos e de Lucas, veríamos a indissolubilidade do casamento sem mencionar nenhuma cláusula de exceção para o divórcio. Porém, o Evangelho de Mateus registra essa exceção em duas ocasiões. Primeiramente no Sermão do Monte, quando Jesus estava ensinando sobre o tema espontaneamente, sem ser arguido por ninguém. Na segunda vez foi em Mateus 19:1-10, quando Jesus responde perguntas sobre “motivos” que os fariseus fizeram para experimentá-lo. No idioma grego, a palavra citada na cláusula de exceção é porneia, que normalmente é traduzida como “relações sexuais ilícitas”, “imoralidade sexual”, “prostituição” ou “fornicação”.

Assim, poderíamos ler o texto assim:

“Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de porneia, e casar com outra comete adultério e o que casar com a repudiada comete adultério”.

São exatamente os textos de Mateus que criam um problema para os que acreditam que nunca pode haver um novo casamento de uma pessoa divorciada. Quem adota tal pensamento precisa fazer todo um esforço interpretativo na tentativa de reduzir ao máximo o significado da cláusula de exceção, a ponto de ela se tornar uma “exceção aparente”.

Aqueles que entendem não haver novo casamento acabam por atribuir um significado tão restrito à palavra porneia, que ela fica esvaziada de importância. Alguns acreditam que a exceção caberia apenas para casamentos inválidos. Já para outros, a exceção só valeria para casamentos ainda não consumados, ou seja, em caso sexo pré-marital.

Mas, qual é a tradução para porneia? Veremos que essa palavra não aparece apenas em Mateus 5:32 e 19:9, mas em muitos outros textos do Novo Testamento, sendo usada para fazer referência a uma série de pecados sexuais. 

Não existe um só tipo de relação sexual ilícita: a relação entre duas pessoas não casadas comumente é chamada de fornicação; se uma dessas pessoas for casada, o pecado é adultério; se essas pessoas forem parentes próximos, ocorre o incesto; se são pessoas do mesmo sexo, homossexualismo; se a relação se dá entre um ser humano e um animal, o pecado é a bestialidade. 

A palavra porneia no Novo Testamento

O substantivo porneia, o verbo porneuo e suas derivações podem ser usados no Novo Testamento para se referir a qualquer pecado sexual. Vejamos alguns exemplos:

    1. Em I Coríntios 5:1 a palavra porneia é usada para se referir à relação incestuosa entre um homem e sua madrasta.
    1. Em I Coríntios 6:13-20, Paulo usa a palavra porneia para se referir ao envolvimento sexual entre um homem e uma prostituta (que em grego é porne). Se esse homem for casado, sabemos que ele comete adultério contra sua esposa, porém, Paulo usa a palavra porneia, pois ela se refere à qualquer relação sexual ilícita, inclusive o adultério.
    1. Em I Coríntios 10:8, a palavra porneia é usada para descrever o pecado dos israelitas em Números 25:19, quando eles se prostituíram com as mulheres moabitas. De todos aqueles homens que se prostituíram com as moabitas, é muito provável que estivessem tanto homens solteiros como casados, e por isso a palavra porneia é muito adequada para descrever aquele pecado, pois por sua amplitude abarca todo tipo de relação sexual ilícita.   
    1. O pecado dos israelitas em Números 25:1-9 também é mencionado no livro de Apocalipse como porneia, quando Jesus fala sobre a doutrina da Balaão: “o qual ensinava a Balaque a armar ciladas diante dos filhos de Israel para comerem coisas sacrificadas aos ídolos e praticaram a prostituição (porneuo) (Apocalipse 2:14).
    1. Em Atos 15:19 e 20 é escrita uma carta aos cristãos gentios, orientando-os a se absterem, dentre outras coisas, da porneia. Ora, essa carta foi enviada às igrejas, composta por pessoas de todos os estados civis (solteiros e casados). Por isso, não se pode acreditar que essa orientação dizia respeito apenas ao adultério ou a fornicação, mas sim à imoralidade sexual em geral.
    1. O mandamento quanto a se abster da porneia também aparece em I Tessalonicenses 4:3, associado à santificação e à vontade de Deus: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição (porneia). Ora, essa orientação foi dada para toda uma igreja, e por isso não podemos supor que Paulo estivesse falando exclusivamente sobre a abstenção do sexo pré-marital ou do adultério. Ele estava falando para se abster das relações sexuais ilícitas em geral.
    1. Em Judas 7, uma derivação do verbo porneuo (ekporneuo, que dá a ideia de entregar-se à prostituição ou imoralidade) é usada para falar do pecado de Sodoma e Gomorra, que sabemos que foi o homossexualismo.
    1. Em Apocalipse 2:20, Jesus declara que uma falsa profetisa chamada Jezabel seduzia os servos de Deus a praticarem a prostituição (porneuo). No versículo 21, o Senhor diz que deu tempo àquela mulher para que se arrependesse da sua prostituição (porneia) e, por fim, ele a prostra de cama e em grande tribulação os que com ela adulteram (aqui aparece o verbo moicheuo), caso não se arrependessem das obras que ela incita. Ora, ao mesmo tempo em que Jesus diz que Jezabel incitava os servos de Deus à porneia, também diz que os que foram seduzidos por ela cometeram moicheia. Essa troca de expressões (porneia por moicheia) se dá em função de porneia se referir genericamente à imoralidade sexual, enquanto que moicheia é o específico pecado de adultério.
  1. Se retornarmos ao texto de I Coríntios 6:13-20, veremos que o versículo 18 define com nitidez e clareza o conceito de porneia:

“Fugi da impureza (porneia). Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade (porneuo) peca contra o próprio corpo”.

Qualquer pecado é cometido fora corpo, mas a porneia é contra o corpo. Por isso, se afirmássemos que porneia se refere apenas a um específico pecado sexual, teríamos que dizer que qualquer outro pecado sexual seria cometido fora do corpo. Ou seja, se porneia fosse apenas sexo pré-marital, teríamos que dizer que o adultério, o incesto, o homossexualismo e a bestialidade são pecados cometidos fora do corpo. Mas isso seria um grande equívoco. Todos esses pecados são contra o corpo, são porneia, e ofendem o santuário do Espírito Santo, que somos nós.

“Fugi da impureza (porneia). Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade (porneuo) peca contra o próprio corpo. Acaso, não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós, o qual tendes da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo” (I Coríntios 6:18,20).

O sexo pré-marital é porneia, mas o incesto, a bestialidade, o adultério, o homossexualismo e o sexo por pagamento também são. Restringir porneia somente ao sexo pré-marital é um equívoco.

O uso da palavra porneia fora do Novo Testamento

É importante observar que, quando o Antigo Testamento foi traduzido do hebraico para o grego na versão conhecida como Septuaginta (entre os séculos III a I a.C), a palavra que traz o conceito de imoralidade ou prostituição foi traduzida como porneia e outras correlatas. Isso ocorre, por exemplo, no livro de Oseias, quando fala da prostituição da esposa do profeta, e também em Jeremias 3 e Ezequiel 16 e 23, textos que falam da prostituição espiritual de Israel.

Na Septuaginta, os pecados de Gômer, esposa do profeta Oséais, são simultaneamente descritos como porneia e moicheia:

“Repreendei vossa mãe, repreendei-a, porque ela não é minha mulher, e eu não sou seu marido, para que ela afaste as suas prostituições [porneian autés] de sua presença e os seus adultérios [moicheian autés] de entre os seus seios” (Oséías 2:2 [2:4]).

Se a esposa de Oséias foi repreendida por praticar a porneia, logo, para os tradutores da Septuaginta, essa palavra não poderia se referir apenas ao sexo pré-marital.

No livro do profeta Jeremias, no capítulo três, Deus usa a figura do casamento para falar de sua relação com Israel e com Judá. E a infidelidade, tanto de Israel como de Judá, ora é descrita como prostituição, ora como adultério. Ambas as expressões são intercambiáveis no texto. A palavra hebraica para prostituição é zanah, que foi traduzida para o grego, na Septuaginta, como porneia e termos derivados. Vejamos abaixo as vezes em que aparece derivações de porneia e de moicheia em Jeremias 3, conforme a Septuaginta:

“Se um homem repudiar sua mulher, e ela o deixar e tomar outro marido, porventura, aquele tornará a ela? Não se poluiria com isso de todo aquela terra? Ora, tu te prostituíste [porneia] com muitos amantes; mas, ainda assim, torna para mim, diz o SENHOR. Levanta os olhos aos altos desnudos e vê; onde não te prostituíste? Nos caminhos te assentavas à espera deles como o arábio no deserto; assim, poluíste a terra com as tuas devassidões [porneia] e com a tua malícia. […] Disse mais o SENHOR nos dias do rei Josias: Viste o que fez a pérfida Israel? Foi a todo monte alto e debaixo de toda árvore frondosa e se deu ali a toda prostituição [porneia]. E, depois de ela ter feito tudo isso, eu pensei que ela voltaria para mim, mas não voltou. A sua pérfida irmã Judá viu isto. Quando, por causa de tudo isto, por ter cometido adultério [moicheia], eu despedi a pérfida Israel e lhe dei carta de divórcio, vi que a falsa Judá, sua irmã, não temeu; mas ela mesma se foi e se deu à prostituição [porneia] . Sucedeu que, pelo ruidoso da sua prostituição [porneia], poluiu ela a terra; porque adulterou [moicheia], adorando pedras e árvores. Apesar de tudo isso, não voltou de todo o coração para mim a sua falsa irmã Judá, mas fingidamente, diz o SENHOR” (Jeremias 3:1-2;7-10).

Ora, se a infidelidade de Israel é descrita como adultério, é porque na figura usada pelo Senhor ele estava casado com Israel. Se o mesmo pecado também é chamado de porneia, essa palavra foi usada para descrever a infidelidade de uma pessoa casada.

Em Números 14:33, a expressão que se refere às infidelidades de Israel também foram traduzidas para o grego como porneia.

“Vossos filhos serão pastores neste deserto quarenta anos e levarão sobre si as vossas infidelidades [porneia], até que o vosso cadáver se consuma neste deserto” (Números 14:33).

Se quisermos conhecer um pouco mais sobre o uso da palavra porneia na língua grega, é interessante conhecermos um texto do livro de Eclesiástico, que é considerado canônico por católico, mas apócrifo pelos protestantes. Em Eclesiástico 23:23 (23:33 em algumas versões), ao falar de uma mulher em adultério, é dito que ela cometeu porneia. Na Septuaginta, o texto aparece assim:

prwton men gar en nomw uyistou hpeiqhsen kai deuteron eiV andra authV eplhmmelhsen kai to triton en porneia emoiceuqh kai ex allotriou androV tekna paresthsen (Eclesiastico 23:23 – Septuaginta transliterada)

Na tradução da CNBB:

Primeiro, ela foi infiel à lei do Altíssimo; segundo, pecou contra seu marido; terceiro, prostituiu-se no adultério e teve filhos de outro marido” (Eclesiástico 23:33).

Essa citação apenas evidencia o fato de que, na língua grega, o termo porneia podia ser usado para se referir genericamente à imoralidade sexual ou às relações sexuais ilícitas. Assim, uma pessoa pode se prostituir no adultério, na homossexualidade, na fornicação etc.

Portanto, porneia significa: 1) relação sexual ilícita 1a) adultério, fornicação, homossexualidade, lesbianismo, relação sexual com animais etc. 1b) relação sexual com parentes próximos; Lv 18 1c) relação sexual com um homem ou mulher divorciada; #Mc 10.11,12 2) metáf. adoração de ídolos 2a) da impureza que se origina na idolatria, na qual se incorria ao comer sacrifícios oferecidos aos ídolos (Dicionário STRONG).

Uma vez que já está claramente estabelecido que o termo porneia era usado para se referir a qualquer relação sexual ilícita, pesa sobre os que restringem sua abrangência pelo menos dois ônus.

O primeiro ônus é o de expor as razões pelas quais o termo porneia, nos textos de Mateus 5 e 19, não poderia ser compreendido no seu significado comum e generalizado, que é o de relações sexuais ilícitas. Para afastar o significado comum dessa palavra, é preciso apresentar argumentos consistentes, pois não se pode limitar ou mudar, de forma arbitrária, o significado de certa palavra simplesmente porque ela não se encaixa numa interpretação doutrinária previamente estabelecida.

O segundo ônus é o de, uma vez que se atribui à porneia um significado diferente do comum, sustentar que as razões pelas quais a palavra teria necessariamente esse significado distinto. Por exemplo, quem sustenta que o termo significa apenas sexo pré-marital durante o noivado, precisa apresentar argumentos consistentes tanto para dizer que porneia não é uma referência à imoralidade em geral, como também precisa dizer a razão pela qual essa expressão significaria apenas sexo pré-marital e não algum outro pecado de ordem sexual.

O que temos visto entre aqueles que restringem o significado de porneia é o uso de argumentos pouco consistentes e que não desobrigam seus defensores de nenhum dos ônus que mencionamos.

Respondendo a algumas objeções

Uma das objeções levantadas por quem defende um significado estrito para porneia, referindo-se apenas ao sexo pré-marital ou a uniões ilícitas, está no fato de que em Mateus 15:19, os termos porneia e moicheia são mencionados separadamente em uma lista de pecados. Ora, se ambos aparecem em uma mesma lista, seria porque moicheia (adultério) não poderia ser uma espécie de porneia. Logo, o significado de porneia deveria ter uma abrangência menor, restrita ao sexo pré-marital ou a uniões ilícitas. Contudo, se isso fosse verdade, o termo porneia estaria sendo usada num sentido totalmente oposto ao ao seu uso normal, tanto no Novo Testamento, como na Septuaginta. Além disso, há outras razões que derrubam essa ideia de que porneia se refere a um único pecado sexual.

Vejamos o texto de Mateus 15:19:

“Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (Mateus 15:19).

Se acreditarmos que o simples fato das palavras serem mencionadas juntas já excluiria moicheia do conceito de porneia, teríamos sérios problemas para entender outros textos bíblicos. Vejamos I Coríntios 6:9,10:

“Ou não sabeis que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não vos enganeis: nem impuros [pornos], nem idólatras, nem adúlteros [moichos], nem efeminados [malakos], nem sodomitas [arsenokoites], nem ladrões, nem avarentos, nem bêbados, nem maldizentes, nem roubadores herdarão o Reino de Deus” (I Coríntios 6:9,10).

No texto acima, numa mesma lista, aparecem os impuros (pornos), adúlteros (moichos), efeminados (malakos) e sodomitas (arsenokoites). Se o fato de aparecerem na mesma lista faz com que adúlteros e homossexuais não possam ser incluídos na condição de impuros (pornos), então teríamos um sério problema para entender o versículo que aparece pouco depois:

“Fugi da impureza [porneia]. Qualquer outro pecado que uma pessoa cometer é fora do corpo; mas aquele que pratica a imoralidade [porneuo] peca contra o próprio corpo” (I Coríntios 6:18).

Se, por causa de I Coríntios 6:9, o adúltero não pode ser incluído no conceito de impuro (pornos), teríamos que dizer que o adultério não é um pecado contra o corpo, mas um pecado fora do corpo. Afinal, qualquer outro pecado além da impureza (porneia) é cometido fora do corpo, mas quem comete porneia peca contra o próprio corpo. Teríamos que dizer o mesmo quanto ao homossexualismo, mas isso não faz sentido algum. É claro que adultério e o homossexualismo são pecados cometidos contra o corpo e estão incluídos no conceito de porneia.

No texto de I Timóteo 1:10, as palavras “impuros” (pornos) e sodomitas (arsenokoites) também aparecem uma ao lado da outra. Será que por isso teríamos que dizer que quem pratica a sodomia necessariamente não está praticando porneia, e não estaria pecando contra o próprio corpo? Chegar a essa conclusão seria um total absurdo.

O motivo de Paulo mencionar tais pecados numa mesma lista não significa que eles são conceitos que se excluem mutuamente, mas o apóstolo tão somente mencionou o pecado da porneia juntamente com algumas formas em que ele pode se manifestar. Cada um desses pecados consiste em porneia, por levar consigo a característica de sexo ilícito. Porém, além da ilicitude, eles carregam outras características específicas. O adultério, além de ser porneia, leva a caraterística da infidelidade, da deslealdade à aliança conjugal. O homossexualismo, além de ser porneia, leva consigo o fato de ser contrário à natureza.

Outro texto que teríamos dificuldades de entender seria I Timóteo 1:9, onde aparecem simultaneamente, uma ao lado da outra, as palavras “parricidas”, “matricidas” e “homicidas”. Ora, só porque tais palavras aparecem uma ao lado da outra não podemos concluir que os parricidas não são homicidas. Entender isso seria um equívoco. O apóstolo, porém, tinha intenção de mostrar a gravidade do pecado. Quando mencionou os homicidas, também citou algumas das formas mais graves que o homicídio pode tomar. Os homens são homicidas a tal ponto que não poupam nem pai e mãe.

Então, o fato de gênero e espécie serem mencionados juntos não significa, necessariamente, que um exclui o outro. Por isso, no texto de Mateus 15:19 não há elementos que determinem que moicheia esteja excluída do conceito de porneia.

Jesus, quando diz porneia, está se referindo à impureza sexual, ao leito maculado, à prostituição. Qualquer outro motivo para a separação que não seja esse, constitui um adultério.

Casamento, imoralidade sexual e divórcio 2
Extraído e adaptado do livro “Casamento, imoralidade sexual e divórcio”
Formato Físico: 
Loja Servo Livre
Formato e-book: Amazon  e Apple Books.
Autores: Sérgio Franco e Anderson Paz
Editora Apê Criativo

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