Reflexões

“Eles receberam dinheiro da igreja”

Devido às recorrentes notícias sobre pastores vivendo em extremo luxo e ostentação, em muita gente tem sido despertada uma indignação, pois veem nisso uma postura completamente oposta daquela que é esperada de um ministro do Evangelho.

Tenho visto pessoas que, motivadas pelo desejo de ver os pastores vivendo em simplicidade, afirmam que os verdadeiros pastores, aqueles que sinceramente cuidam das ovelhas, deveriam seguir o exemplo de Paulo, que não era sustentado pela igreja, mas que se auto-sustentava através da fabricação de tendas. Porém, à luz da Palavra de Deus, essas pessoas, ainda que com boas intenções, não conseguem sustentar biblicamente essa afirmação. Vejamos pois o que Paulo fala sobre o seu sustento.

Na primeira carta aos Coríntios, Paulo fala sobre o seu sustento:

“Se entre vocês semeamos coisas espirituais, seria demais colhermos de vocês coisas materiais? Se outros têm direito de ser sustentados por vocês, não o temos nós ainda mais? Mas nós nunca usamos desse direito. Pelo contrário, suportamos tudo para não colocar obstáculo algum ao evangelho de Cristo” (I Co. 9:11,12).

Esse tem sido um texto usado para afirmar que os pastores não devem ser sustentados pela igreja. Contudo, nem todos dão a devida atenção para o que Paulo diz em II Coríntios 11:7-9:

“Será que cometi algum pecado ao humilhar-me a fim de elevá-los, pregando-lhes gratuitamente o evangelho de Deus? Despojei outras igrejas, recebendo delas sustento, a fim de servi-los. Quando estive entre vocês e passei por alguma necessidade, não fui um peso para ninguém; pois os irmãos, quando vieram da Macedônia, supriram aquilo de que eu necessitava. Fiz tudo para não ser pesado a vocês, e continuarei a agir assim”.

De fato, enquanto esteve em Corinto, Paulo não recebeu sustento daquela igreja. O livro de Atos registra que ao chegar em Corinto, Paulo conheceu Áquila e Priscila e, por serem do mesmo ofício, fabricantes de tenda, ficou com eles e trabalhava (At. 18:1-3). Porém, logo em seguida o livro de Atos registra:

“Depois que Silas e Timóteo chegaram da Macedônia, Paulo se dedicou exclusivamente à pregação, testemunhando aos judeus que Jesus era o Cristo” (At. 18:5).

Ou seja, enquanto esteve em Corinto, Paulo passou por dois momentos: um em que dividia seu tempo entre fabricar tendas e pregar a Palavra (At. 18:1-3), e outro em que, por receber recursos vindos dos irmãos da Macedônia (At. 18:5; II Co. 11:7-9), se dedicou exclusivamente à pregação.

E porque Paulo não quis ser sustentado por Corinto? Ora, a igreja naquela cidade constantemente recebia a investida de falsos apóstolos, homens que corriam atrás do lucro, que buscavam benefícios financeiros. E era por isso que Paulo se recusava a receber dinheiro daquela igreja, para não terem do que falar dele (II Co. 11:3,19 e 20). Ele decidiu não receber qualquer retorno financeiro do seu serviço àquela comunidade local, enquanto outras comunidades decidiram honrar Paulo através do sustento. É como se o apóstolo estivesse dizendo o seguinte: “Fiz tendas e recebi sustento de outros irmãos, mas não de vocês, para que vocês jamais dissessem que meu serviço tinha por objetivo o lucro, embora eu tinha o direito se ser sustentado por vocês”.

Enquanto esteve em Tessalônica, Paulo também não recebeu sustento daquela igreja. Ele registra isso em suas duas cartas aos tessalonicenses (I Ts. 2:9; II Ts 3:7-9). Porém, ali Paulo também recebia sustento de outras igrejas (Fp. 4:15-18), e explica o porque não era sustentado pelos tessalonicenses:

“Pois vocês mesmos sabem como devem seguir o nosso exemplo, porque não vivemos ociosamente quando estivemos entre vocês, nem comemos coisa alguma à custa de ninguém. Pelo contrário, trabalhamos arduamente e com fadiga, dia e noite, para não sermos pesados a nenhum de vocês, não por que não tivéssemos tal direito, mas para que nos tornássemos um modelo para ser imitado por vocês” (II Ts. 3:7-9).

Como vemos, Paulo afirma que tinha direito de receber sustento dos tessalonicenses, mas abriu mão desse direito para ser exemplo para aqueles irmãos. Mas, fica uma pergunta: por ele queria dar exemplo aos tessalonicenses, ao não receber sustento dos mesmos, mas não se preocupou em dar o mesmo exemplo para os filipenses (Fp. 4 15-18), posto que estes lhe enviaram ofertas? Ora, o apóstolo relata em II Ts. 3:11,12 a razão pela qual comunidade de Tessalônica precisava daquele exemplo:

“Pois ouvimos que alguns de vocês estão ociosos; não trabalham, mas andam se intrometendo na vida alheia. A tais pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranquilamente e comam o seu próprio pão”.

Em Tessalônica havia muita gente preguiçosa, e para que ninguém tivesse a ousadia de dizer que Paulo não trabalhava, o apóstolo decide trabalhar em dobro: no serviço à igreja e no produção do seu próprio sustento.

A Igreja em Filipos era uma das que enviavam ofertas para Paulo. Em sua carta aos Filipenses, Paulo escreve o seguinte:

“Como vocês sabem, filipenses, nos seus primeiros dias no evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja partilhou comigo no que se refere a dar e receber, exceto vocês; pois, estando eu em Tessalônica, vocês me mandaram ajuda, não apenas uma vez, mas duas, quando tive necessidade. Não que eu esteja procurando ofertas, mas o que pode ser creditado na conta de vocês” ( Fp. 4:15-17).

Se não enxergarmos como exceções as situações sobre o sustento financeiro de Paulo em Corinto e em Tessalônica, pensaremos que Paulo entra em contradição quando orienta o seguinte a Timóteo:

“Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho é a pregação e o ensino, pois a Escritura diz: ‘Não amordace o boi enquanto está debulhando o cereal’, e ‘o trabalhador merece o seu salário’ ” (I Tm. 5:17-18).

Voltando à I Coríntios 9, vemos Paulo dizendo o seguinte:

“… será que apenas eu e Barnabé não temos o direito de deixar de trabalhar para termos sustento? Quem serve como soldado às suas próprias custas? Quem planta uma vinha e não come do seu fruto? Quem apascenta um rebanho e não bebe do seu leite? Não digo isso do ponto de vista meramente humano; a Lei não diz a mesma coisa? […]  Se entre vocês semeamos coisas espirituais, seria demais colhermos de vocês coisas materiais? […] Vocês não sabem que aqueles que trabalham no templo alimentam-se das coisas do templo, e que os que servem diante do altar participam do que é oferecido no altar? Da mesma forma o Senhor ordenou àqueles que pregam o evangelho, que vivam do evangelho” (I Co. 9:6-14)

Em que ocasião o Senhor ordenou que aqueles que pregam o evangelho deveriam viver do evangelho? Ora, Jesus, ao enviar pela primeira vez seus discípulos a pregar, ordena o seguinte: “… comam e bebam o que lhes derem, pois o trabalhador merece o seu salário” (Lc. 10:7). Além disso, Lucas relata que havia um grupo de mulheres que serviam ao próprio Jesus com seus bens (Lc. 8:1-3).

Jesus e seus os apóstolos recebiam ofertas daqueles a quem serviam, e não havia problema algum nisso. Contudo, o pecado surge quando se trabalha para ganhar. O problema é fazer do dinheiro o objetivo do serviço, no lugar de receber dinheiro por servir. Uma coisa é quando o trabalho é motivado por obter dinheiro, outra coisa completamente diferente é quando o ministro simplesmente serve, e se vier a receber alguma coisas, isso é apenas uma consequência, e não uma condição para servir. Aliás, trata-se de uma consequência que pode vir ou não. Paulo chega a dizer:

“Alegro-me grandemente no Senhor, porque finalmente vocês renovaram o seu interesse por mim. De fato, vocês já se interessavam, mas não tinham oportunidade para demonstrá-lo. Não estou dizendo isso porque esteja necessitado, pois aprendi a adaptar-me a toda e qualquer circunstância. Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado, seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade. Tudo posso naquele que me fortalece” (Fp. 4:10-13).

Por fim, é importante lembrar que precisamos olhar para Jesus, que é a referência de vida para todos nós, ovelhas ou pastores. Miremos a cada o exemplo daquele que veio para servir e não para ser servido.

Em Cristo,
Anderson Paz