Reflexões

O que o discipulado não é

Reações ao discipulado

Experimentei por vários anos um relacionamento que me fez muito bem. Não se trata de um relacionamento amoroso, mas sim um relacionamento necessário pra que eu aprendesse a viver e amar como o autor da vida. (Atos 3:15) Também não me refiro ao relacionamento essencial com o próprio Deus, que pelo sangue de Seu Filho nos aproximou de Si mesmo e tornou-se acessível para andarmos com Ele e imitá-lo (Efesios 5:1). Refiro-me a um relacionamento entre pessoas falhas mas com um compromisso.

Não tenho a pretensão de definir aqui um conceito que ultrapassa os limites da minha mente ocidental e do meu conhecimento sobre a vida. Mas acredito que um bom caminho para a boa compreensão e prática de um assunto pode se iniciar pela observação do que esse algo não é.

“Discipulado” é um tema essencial para a igreja, porém provoca diversas reações. Nas variadas denominações que já conheci, há pouco tempo atrás essas reações eram quase que um calafrio nas espinhas de pastores que tinham medo de compartilharem sua influência com outros que não tinham seu gabarito e “formação”. Muitos com um temor natural, por conta de tantas “maluquices” que historicamente sempre surgiram no meio evangélico. Outra reação comum eram líderes empolgados por enxergarem no discipulado um modelo perfeito de gestão de pessoas para a multiplicação das comunidades. Havia também pastores que sustentavam inflexivelmente a ideia de que o discipulado se tratava de uma heresia fundamentada na dissolução do poder eclesiástico. E, por fim, uma das reações que vi foi a de estudiosos pragmáticos que pensam, por conta dos muitos erros cometidos (que são reais), que o discipulado não passa de um instrumento de dominação “nicolaíta” (Termo usado para definir homens que se colocam sobre outros. Significa basicamente “aqueles que dominam sobre o povo”Ap 2:15).

Fato é que, por conta da falta de luz sobre o assunto, da imaturidade presente na igreja e também pelos muitos abusos de autoridade praticados por homens que andaram absortos pela ganância, o termo discipulado foi prostituído e confundido perdendo assim o impacto de sua importância. Como disse antes, baseado em minha experiência e, principalmente, nas Escrituras, eu quero contribuir com aqueles que realmente querem vivenciar essa experiência, entendendo que ela contribuirá profundamente com seu crescimento como filho de Deus e seguidor de Jesus.

Por isso, antes de mais nada é importante observar o que o discipulado não é:

1- Discipulado não é um gerenciamento de coaching

Não tenho nada contra essa prática utilizada no mercado de trabalho. A mentoria ou coaching é um método humano do mundo dos negócios que tem como objetivo o aumento da performance de trabalho e dos níveis de resultados. No Reino de Deus a realidade é outra. A obra de fazer discípulos não tem nada a ver com índices e perfomance e sim com a vazão de amor que flui do nosso interior, nos impulsionando a dar mais que receber. Tem a ver com o quanto fomos conquistados e trabalhados por Jesus e sua obra. (Filipenses3:12)

2- Discipulado não é uma pequena reunião semanal para atualização de um relatório

É muito comum observar pessoas que chamam de discipulado a pratica metódica de uma reunião que tem o intuito de prestar contas da vida. Isso pode ser um ingrediente em alguns momentos, mas não o discipulado em si.

3- Discipulado não é uma aula sobre a Bíblia

Também não se trata de um estudo bíblico. É verdade que Jesus tinha alguns momentos assim com seus discípulos, o Sermão da Montanha é um exemplo. (Mateus 5:1) Mas é fácil observar que o discipulado de Jesus não se resumia a esses momentos. O ensino mais eficaz era com seu modelo e exemplo (Mateus 7:28-29).

4- Discipulado não é um controle absoluto

Jesus não controlava seus discípulos, ainda que tivesse esse poder. Ele os ordenava por que voluntariamente se puseram sob sua autoridade. Essa prerrogativa era tão clara que Pedro mais tarde ensina em sua carta que os presbíteros (pastores responsáveis) não deveriam pastorear o rebanho como dominadores (1 Pe 5:3).

5- Discipulado não é um mero modelo de multiplicação e gerenciamento

A ordem de Jesus é para todos. Seu desejo é que quem se torna seu discípulo naturalmente faça outros discípulos. Contudo não é raro observar que muitos lidam com esse princípio como se ele fosse um mero modelo eclesiástico que visa organização e multiplicação. De fato, a ideia de Jesus com a grande comissão aos seus discípulos para pregarem a toda criatura é genial. Um sucesso! Em pouco tempo toda a região mediterrânea, Palestina, atual Síria e península itálica já haviam sido alcançadas pelo Evangelho. Porém essa estratégia não era um fim em si mesma. O alvo de Deus era multiplicar a sua família com qualidade, pela transmissão de vida, poder e valores que não são desse mundo. E para que isso ocorresse a via principal utilizada por Deus foi o estabelecimento de relacionamentos firmes (o que dá muito trabalho).

“Finalmente, sede todos de igual ânimo, compadecidos, fraternalmente amigos, misericordiosos, humildes” (1 Pedro 3:8).

O discipulado que aprendemos com Jesus, com a vida da igreja do primeiro século e com o Espírito Santo é um relacionamento pessoal, amistoso, uma via de duas mãos que difere dos “mal-entendidos” que abordamos acima. No discipulado todos são beneficiados, aquele que instrui e também o que é instruído. Não é um relacionamento imune a erros, muito pelo contrário, os erros servem para aprimorar o exercício da humildade, do reconhecimento, da confissão, da misericórdia. As derrotas e as vitórias unem os indivíduos num afeto sincero e necessário para se conservar o coração “moldável” , aquecido e distante do endurecimento causado pelo engano do pecado (Hebreus 3:13).

A experiência do discipulado envolve 3 pessoas no processo:

1- O mestre: Jesus

2- O aprendiz : um indivíduo disposto e com um coração ensinável. Ávido por conhecer o mestre.

3- O que serve o aprendiz: O menor. O que já aprendeu que dar é melhor que receber. O que já conhece um pouco melhor o caminho e apascenta os cordeiros e ovelhas do supremo pastor.

O que se aprende no discipulado (Lucas 14:25-33 / Mateus 28:20):

1- O amor ao mestre que diminui o amor próprio.

2- A renúncia de tudo quanto tem (incluindo os sonhos e planos).

3- A perda de todos os direitos.

4- Como seguir Jesus.

5- Tudo o que Jesus ensinou didaticamente.

Quando observamos essa pauta, é perceptível a necessidade de outra pessoa que nos ajude, alguém já experimentado nessa caminhada, que nos fortalece, anima e corrige os equívocos.

Uma verdade desafiadora

O discipulado tem início, meio e fim. Ele é finito. O que não significa que saímos dele com um diploma e a garantia de que sabemos tudo. De maneira nenhuma! Ao contrário disso! Esse processo se torna realmente maduro e mais pleno quando compreendemos nossa incapacidade. Quando nos aproximamos mais da realidade de que não podemos NADA! Nada sem Ele, o bispo e supremo pastor das nossas almas.

“Porque estáveis desgarrados como ovelhas; agora, porém, vos convertestes ao Pastor e Bispo da vossa alma” (1 Pedro 2:25).

Essa verdade é desafiante por que muitos obstáculos aparecem nesse processo, principalmente o amor próprio, o que muitas vezes impede que esse processo se conclua. A proporção é similar à encontrada na natureza em que poucos sobrevivem. Uma rã, por exemplo coloca vários ovos, mas poucos chegam até a o fim do ciclo de maturação.

O Senhor Jesus já nos ensinou que são poucos que estão dispostos a pagarem o preço de serem seus discípulos. A porta é estreita, o caminho é apertado. Muitos são chamados, mas poucos são escolhidos. Poucos correspondem ao chamado do discipulado. Mas há recompensa na perseverança, há recompensa em permanecer no Caminho.

Ideraldo de Assis
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