Uma porta para obstinação
Recentemente falamos um pouco aqui no blog sobre a ansiedade, um tema do qual há muito a se falar. A ansiedade não é um mal do nosso século, mas sim um mal do homem. Ela é fruto da nossa “necessidade” interna de ter o controle das coisas. Queremos que tudo aconteça no nosso tempo e do nosso modo. O ansioso é um controlador por natureza e tem medo de que as coisas não aconteçam como ele quer. O medo e a ansiedade caminham juntos, lado a lado, e talvez você não saiba, mas eles são portas para a obstinação.
O Anderson Paz disse aqui que a ansiedade é uma porta para a avareza. Sabemos, à luz da Bíblia, que a avareza é uma forma de idolatria. A idolatria é o ato de prestar culto a um ídolo. Um ídolo é algo ou alguém que se torna o centro e o objeto do seu “amor”, dedicação, apego e adoração.
“Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena:prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria” (Colossenses 3:5).
Não apenas a avareza é comparada a idolatria na Bíblia, mas também a obstinação. Um caso clássico é o do rei Saul, primeiro rei de Israel que movido pela necessidade do ego de ser bem visto, de “ficar bem” com seus súditos, de ser visto como um homem religioso, piedoso e corajoso, cultivava a sua própria imagem a ponto de desobedecer a Deus na “cara de pau”. O profeta o advertiu que o Senhor não queria que trouxesse nenhuma espécie de despojo da guerra contra os Amalequitas. E ele conseguiu fazer exatamente o contrário. E no meio de um diálogo longo entre o rei e o profeta, pela primeira vez fica explicito como Deus vê a obstinação do homem:
“Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar” (I Samuel 15:23).
Por que Deus vê a obstinação dessa forma? É só considerarmos um pouco a vida de um obstinado para entendermos:
A obstinação nos torna insensíveis à voz de Deus
O obstinado ignora insensivelmente as intuições e advertências do Espírito Santo. Está tão acostumado a fazer as coisas do seu jeito, e isso é tão importante pra ele, que se torna alguém duro de advertir. Se o fato de ignorar o que pessoas dizem é uma prática do obstinado, o que dirá em relação a voz de Deus que nessas horas parece mais “intangível” do que nunca?
Ouvir a voz de Deus no contexto em que estou falando é tanto ouvir, quanto atender.
A fala de Samuel revela bem essa ideia:
“Porém Samuel disse: Tem, porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros” (I Samuel 15:22)
Foi interessante descobrir que a palavra obediência significa ouvir, dar ouvidos. Por isso o obstinado é um desobediente de “carteirinha”. Não atende, não dá ouvidos, ignora.
A obstinação faz com que a gente dê um jeito para fazer do nosso jeito
Já ouviu o ditado: “quem não quer arranja uma desculpa, quem quer arranja um jeito”? É fato que isso acontece. E o mundo admira o persistente. Mas tanto um quanto outro pode ser um grande obstinado. O mundo não só admira como incentiva a persistência. Porém como fazer para distinguir a persistência da obstinação?
A chave se encontra no quanto estamos livres para que isso ou aquilo aconteça. Quando descansamos que o controle e a soberania estão nas mãos de Deus e não fazemos questão mais de nada, nos tornamos livres da obstinação. Já o obstinado não se questiona e jeitosamente arranja argumentos que o convençam do seu próprio caminho. Ele se apoia em seu próprio entendimento e monta com sua própria força o cenário ideal para fazer as coisas do seu próprio jeito.
“Confia no SENHOR de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento” (Provérbios 3:5).
A obstinação nos faz controladores
Para que as coisas saiam do seu próprio jeito, o obstinado controla, às vezes manipula e muitas vezes é consumido pela ansiedade de que as coisas não fujam desse controle. O controle é uma proteção, uma defesa, é uma artimanha do medo que as coisas não saiam de seus planos. O obstinado articula para o benefício próprio e se insurge contra o amor que não busca seus próprios interesses. É alguém que ainda não se rendeu a soberania e aos cuidados do Pai.
No caso de seu adultério com Bate-Seba, Davi demonstrou toda sua obstinação quando se envolvia em seus desejos e impulsos sexuais e principalmente na hora de ocultar seu pecado. Controlou, articulou e manipulou situações para consumar seu desejo e para ocultar um erro tão grave contra Deus, Urias e contra todo o povo (2 Samuel 11:1-25).
A obstinação nos faz escravos do medo
O obstinado não pode ser livre por que o medo o escraviza. Como já disse, o medo de perder, de que as coisas saiam do controle e de seus planos irem por água a baixo, deixa o obstinado debaixo de um jugo violento. O medo de faltar, a falta de confiança na provisão e no sustento de Deus aliados a auto-suficiência articulada pelo ego também fabrica homens e mulheres obstinados todos os dias. E o medo, por sua vez, causa tormento, dor, enfermidades e amargura.
“No amor não existe medo; antes, o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor” (I João 4:18).
Não importa o que é o objeto da obstinação de alguém, o problema está no coração. A forma como se lida com os planos, com os sonhos, com os interesses próprios, com os cuidados da vida. Deus não desconsidera o sonho das pessoas, mas não se limita a permitir que vivamos como crianças mimadas que vivem apenas em função do próprio querer. Confundimos “sonhos” com meros “desejos superficiais” e criamos necessidades artificiais. A realidade é que o coração obstinado é um súdito do ego. Ansiedade, medo, obstinação, controle, tudo isso faz parte da nossa natureza terrena e é lastimável quando alguém vive escravo dela, conduzido pelo próprio ego. Tenho descoberto que a chave para ser livre de tudo isso passa por um arrependimento sincero de viver apoiado no entendimento próprio e pela rendição confiada na bondade de um Deus que sabe exatamente o que precisamos.
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