No passo dos meninos
“… eu seguirei, guiando-as pouco a pouco, no passo do gado que me vai a frente e no passo dos meninos” – Gênesis 33:14
O dia frio não impediu que eu e minha família, caminhássemos pela 7ª Avenida até o Central Park, na cosmopolita Nova York. O vento gelado de pleno janeiro mostrava que o inverno americano, que ainda estava pela metade, veio para ficar. Assim que atravessamos a Rua 59, deparamo-nos com o imponente parque no coração da Big Apple. Palco de cenas inesquecíveis em dezenas de filmes e shows que alimentam o imaginário de toda uma geração. A gigantesca área verde é linda de ver. Os esquilos que sobem e descem das árvores dão um show a parte, assim como as carruagens puxadas por cavalos esguios, completam o charme.
André, meu caçula, montou em seu skate long board, recém comprado, e desceu ladeira a baixo em uma das vias pitorescas do parque, fazendo do momento uma experiência inesquecível. Eu, como todo pai coruja, fui, com a máquina fotográfica, atrás do menino, correndo e clicando cada manobra, para não perder nenhum instante do passeio e da euforia do filho caçula.
Entretanto, olhando para trás, no horizonte, vinham bem devagar a mamãe Rosana e nossa filha Aurora. As duas “encarangadas” de frio, mesmo com as roupas apropriadas de inverno, pareciam ter outra expectativa do passeio. Ao ver isso, imediatamente esqueci um pouco do André e seu skate e voltei para acompanhar a dupla que tinha ritmo próprio: lento.
Assim que as alcancei, peguei na mão da minha filhinha e fui caminhando bem devagar, enquanto perdia o outro de vista no horizonte. Foi então que lembrei do texto de Gênesis, no qual Jacó não aceitou o convite de seu irmão Esaú para seguir rápido a diante, em vez disso, firmou o desejo de ir no passo dos meninos, isto é, na velocidade dos seus filhos, que tinham uma marcha muito mais lenta do que o normal, e por isso precisavam de sua orientação, presença e proteção.
Minha Aurora é uma menina portadora de necessidades especiais, em função de uma síndrome. Anda sempre mais devagar do que seu irmão e as outras crianças. Na medida em que foi crescendo, eu ficava penalizado de sua condição, mas fui aprendendo que ter pena não ajudava em nada no seu desenvolvimento. O que ela precisa mesmo, é de quem caminhe ao seu lado. Nosso desafio como família é portanto este: andar junto com ela na sua cadência, e dessa forma então, alcançarmos os alvos.
Nos últimos anos tenho tirado as terças feiras, para irmos a um parque em nossa cidade, aonde tem uma pista bonita e arborizada para caminhar. Para minha surpresa, ali ela aprendeu andar sozinha no seu próprio ritmo. As vezes ouvindo música, outras em silêncio, mas lá vai ela, passo a passo mostrando que é possível ir adiante, pela vida a fora, sem pressa. Eu fico correndo na mesma pista enquanto ela anda. Em uma de nossas últimas caminhadas, entretanto, ela disse: pai, hoje eu quero que tu caminhes comigo? A princípio eu relutei, pois abortava minha corridinha, mas logo lembrei do Central Parque e da decisão de Jacó. É importante realçar, que naquele momento de restauração do relacionamento com seu irmão, o mais indicado era correr na frente com ele, mas decidiu ir no passo dos meninos.
Tenho aprendido que, quando ando ao lado de meus filhos, nos seus passos, tenho a oportunidade de assim, chegar mais perto dos seus corações, e isto dá segurança para eles e me dá muita alegria. Quantos pais perdem o coração dos filhos por não andarem ao lado deles.
Voltando para o passeio narrado no princípio, a caminhada com a Aurora trouxe também outros resultados. Na sua velocidade, ela nota coisas e principalmente pessoas, que na correria da vida ninguém vê. Na nossa fria e lenta caminhada de repente ela avistou ao longe uma família sentada nas pedras e foi então devagar se aproximando. Ao chegar pertinho, pode ver que falavam português e o contato logo se fez. Além de cristãos, eram familiarizados com minha música e em seguida, fotos e alegria, que fizeram para todos um momento especial. Com a Aurora isto é muito comum. Sua vida é repleta destes encontros inusitados, resultantes de seu ritmo. Além disso, sempre tem tempo para o último beijo e abraço de despedida, e uma atenção sem interesse fruto apenas de valorizar cada momento.
Noto, em minha própria vida, o quanto a correria priva da comunhão e de momentos prazerosos. Olha-se muito para frente, e os alvos se tornam imperativos e obsessivos, e por isso temos a tendência de deixar os meninos para trás. Não apenas nossos filhos. Mas podemos aqui contar como meninos, todos aqueles que não podem correr a frente. A escolha de Jacó, contudo, nos desafia a pensar. Ele esperou ansioso, pelo encontro histórico com seu irmão, mas, na hora de decidir, não caiu na tentação de deixar para trás seus meninos, família, filhos e filhas, indo em busca de qualquer outro benefício. Entre seguir mais rápido e ficar para proteger e acompanhar, optou pela segunda. Sem dúvida, o filho de Isaque nos deixa esta lição de ouro: seguirei… no passo dos meninos!
Asaph Borba * Texto extraído do blog do autor Twitter: @asaphborba Facebook: https://www.facebook.com/asaphborba- Poligamia na Bíblia e o casamento hoje - 25 de fevereiro de 2019
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